Francisco das Chagas e Silva
Educador Social da Cáritas Diocesana
“Aquele que transforma as palavras em versos transforma-se em poeta; aquele que transforma o barro em estátua transforma-se em escultor; ao transformar as relações sociais e humanas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em cidadão”. (Augusto Boal)
Há dois anos acompanhamos o Grupo Anjos de Resgate da Paróquia de São Francisco de Assis no Bairro Paulo VI, podemos perceber um processo de transformação nas relações interpessoais e sociais dos jovens envolvidos no fazer teatral. A partir da vivência de um teatro que tem um perfil evangelizador os jovens vêm descobrindo e compreendendo a realidade da comunidade em que vivem. A disposição da juventude daquela comunidade em fazer teatro só é possível pela vontade de se expressar, é a ação do fazer teatral em si mesmo que prepara cada um para o protagonismo de ações futuras.

Saber unicamente da realidade não basta, fazer o lugar ser como eles sonham está aparente no cuidado com que eles produzem o teatro, na busca pela qualidade da produção, no desejo de que toda a cidade veja o que eles estão fazendo. Manifestam-se como se eles fossem expectadores de si mesmo, carregam neles próprios o ator e o expectador, no agir o ator e no observa o expectador. Nessa dialética se tornam críticos deles mesmos e fazem isso no jogo teatral de convivência, que acontece na mais pura harmonia ou na mais árdua discussão de pontos de vista diferentes e dessa forma o grupo tece sua história de 17 anos.
Mas é perceptível ainda o figurinista, o maquiador e o diretor do espetáculo, ou seja, jovens que já dirigem a própria vida, pois protagonizam suas vidas nas decisões que tomam quando escolhem como agir, o que vestem, como se maquiar e o que usar de acessórios, como se comportar em cada ocasião e tudo isso construído numa relação de troca de igual para igual na vivência teatral.
Poderíamos considerar impossível que aconteça esse movimento e protagonismo de jovens de periferia, com poucas condições sanitárias, de acessibilidade, saúde, trabalho, lazer e educação. Mas essa juventude tem transformado, de acordo com Boal o expectador no recurso da quarta parede, em sujeito atuante, transformador da ação dramática que lhe apresenta, da forma que ele mesmo, espectador passe a protagonista e transformador da ação dramática. A ideia central é que o expectador ensaie a sua própria revolução sem delegar papéis aos personagens, desta forma conscientizando-se da sua autonomia diante dos fatos cotidianos, indo em direção a sua real liberdade de ação, sendo todos “espectadores”, ou seja, atores e espectadores da ação dramática e da própria vida.

Na vivencia destes dois anos com a Companhia de Teatro Anjo de Resgate é admirável perceber a consciência de pertencimento ao chão que estão pesando, os obstáculos que tem que transpor e a expectativa de realização dos projetos futuros. A conquista da aprovação do Projeto Arte, Cultura e Prevenção da Violência junto ao Fundo Nacional de Solidariedade foi um passo importante na organização e no crescimento do grupo, em termos de responsabilidade e tecnicamente falando. Os jovens perceber-se todos parte de um grupo, pensar e criar juntos, criar uma estética própria, são reconhecidos, criar parcerias, receber convites para além da fronteira da comunidade, para além da fronteira do município e planejar a caminhada pensado coletivamente. Tudo isso são sinais que marcam o crescimento da liberdade criativa que o teatro proporciona.
Chegamos todos ao final de uma etapa que comina com a apresentação da Paixão de Cristo e agora a estreia e a estrada do Espetáculo São Francisco, Ternura e Vigor, novos caminhos, nova caminhada, novos desafios, mas com uma identidade própria da juventude do Bairro Paulo VI, com seu gestual e suas descobertas no expressa-se.