Klédson Tiago Alves de Souza
Coordenador do PIAJ
Nunca é fácil escolher um tema, mas com a filosofia e a teologia aprendemos a levantar problemas sobre a realidade. É possível que este levantar problema seja um tema interessante a ser meditado.
Sem arrodeio, Deus sempre lembra do seu povo, é o que nos diz o profeta Baruc (Cf. Br 5, 5), discípulo e secretário do profeta Jeremias. Isso é um fato. Deus sempre ao longo do processo de evolução humana esteve ao lado de sua criação, construindo, instruindo, libertando, lutando, etc…. Isso é o que em linguagem teológica chamamos de epifania ou manifestação de Deus. Ele se manifesta nas obras humanas inspiradas pelo espírito (Ruah). Mas, poderíamos afirmar que a forma mais comum que Deus usa para se manifestar é a libertação. O próprio profeta afirma: “Porquanto, aquele que sobre vós precipitou a catástrofe vos concederá, com a libertação, eterno regozijo” (Br 4, 29), e isso se dá porque as principais características que o profeta vê em Deus é justiça e misericórdia.
Parece que a justiça é um caminho certo no cristianismo, o apóstolo Paulo vai afirmar que para se chegar à perfeição iniciada por Deus no homem é preciso estar “cheio do fruto da justiça” (Fl 1, 11). Ora, o que seria esse fruto da justiça, para que o homem dele precisasse estar cheio de forma que assim se complete a obra começada? E se mudarmos a ordem desse jogo de palavras, talvez possamos enxergar a justiça como fruto. É a justiça o próprio fruto. Assim, sede justos para que se complete a obra começada.
Deus, como vimos, até aqui acompanha sua criação, dentre os quais, preferencialmente, se coloca ao lado daqueles que estão à margem, ou seja, os empobrecidos, os excluídos do centro, os marginalizados, os oprimidos. Podemos detectar uma contradição nessa história de salvação. Por que Deus se lembra do seu povo, e aqueles que se dizem seus representantes, por muito, não? Se se lembram preferem o silêncio sepulcral. Porque poucas são as vozes que apontam a justiça do reino como caminho “concreto” – aqui não seria preciso usar essa palavra, mas no contexto em que a colocamos torna-se preciso para dar ênfase à prática – para a completude dessa obra, que podemos, assim como outrora fizeram outros, chamar de livro escrito por Deus.
Uma das palavras mais fortes que podemos encontrar na sagada escritura é: “O verbo se fez carne” (Jo 1, 14). Deus tornou-se homem para ensinar à humanidade a ser humana, a ser justa. Por que Deus faz esse esforço tremendo de nos ensinar e nos calamos diante do ensinamento? Por que ainda não saímos do “latinorum” aportuguesado dos pomposos altares e não fomos celebrar, em forma de ciranda, a vida do nosso povo sofrido nas periferias das cidades? Por que preferimos nos calar e ver o nosso povo ser saqueado dos seus direitos fundamentais? Por que nas missas não se pode falar dos problemas reais do nosso povo em relação ao Evangelho? Por que ensinamos nos grupos (vários por sinal) que é importante “rezar” em línguas estranhas, olhos fechados, pele arrepiada, lágrima no olho? Será que olhando muito para cima (querendo achar Deus) não esquecemos de olhar para o lado?
Uma figura que é muito interessante e perspicaz na leitura bíblica é João Batista, por sinal aparece muito no tempo do advento. Ele é a voz que denuncia, de forma a gritar, no deserto. Também nós não deveríamos gritar com mais forma a opressão que sofre o nosso povo? Se for assim, é preciso exibir todo dia a grande desigualdade social que há em nosso país. Temos gente morrendo de fome, enquanto uns estão a encher a pança de grandes fortunas. Isso é justo? É justo que uns paguem o preço tão caro da miséria para que outros esnobem sua riqueza? E usar da estrutura eclesial para luxar, pode?
O poeta popular Leandro Gomes de Barro diz:
Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?
O paraibano não estudou filosofia nem teologia, sua experiência é com a poesia popular e leitura bíblica devido o tempo em que esteve sob a tutela do padre Vicente Xavier de Farias, vigário e mestre-escola na vila de Teixeira, mas soube expressar o evangelho e denunciar essa famigerada desigualdade que mata irmãos nossos.
João Batista grita: “preparai os caminhos”, não mais no deserto, como nos lembra Cantalamessa: “para acolher os peregrinos que chagavam da diáspora” para a páscoa; mas no coração. Se a palavra de Jesus libertador não nos incomoda e não nos faz mudar de atitude é porque não estamos sabendo ouvir. E se ouvimos e não a pomos em prática, somos hipócritas. Se achamos que de olhos fechamos com as mãos levantadas e a língua em movimento emitindo sons confusos resolveremos algo, estamos enganados. A linguagem de Deus é o amor, mas um amor que se faz ação e libertação, um amor que se faz na concretude de nossas obras. Não adianta agir como na letra da canção Meu país interpretada por Zé Ramalho: “Tô vendo tudo, tô vendo tudo, mas fico calado, faz de conta que sou mudo”. É hora de gritar: O reino se aproxima, se avizinha, se constrói com justiça social – nem pobres, nem ricos.